Sou eu!
Vil poetisa dos loucos e dos cruéis
Errante, no caminho da vilania,
Aqueço os corpos esquecidos nas noites frias,
E tal qual quimera ensandecida,
Vago por entre os becos e os bordéis.
Amante errante da solidão,
Fustigo minha carne endurecida
Nas tórridas madrugadas de boemia,
Fera no cio, débil e desvalida,
Dando-me a todos, sem exceção.
Por que queres tu, estúpida carola,
Do meu templo bizarro, tomares conta?
Sabes tu, por acaso, quantos fiéis
Vêm diariamente aos meus pálidos pés
Beijar-lhes as feridas, lamber-lhes as solas,
Unir-me as mãos purulentas, e tocar-lhes as pontas?
E tu, velho catedrático?
Tu, que tanto de mim te lambuzastes,
Quando o encontrei, decaído e sorumbático,
E hoje, com falso escrúpulo me acusastes,
De ser liberta, talvez libertina,
Por ser eu escrava unicamente de minha paixão,
Trôpega e volúvel deusa da devassidão?
Queimem-me agora!
Mas não pensem que conseguirão me calar,
Pois cada profeta meu, e amante,
Há de sair pelas ruas, em passo errante,
Afim de meu sórdido ensinamento repassar.
E, daqui por diante, serei mártir, e estátua de basalto em minha homenagem será erguida.
Continuem a queimar-me! Grito eu, amortecida,
E lentamente agonizo, lembrando com regozijo, dos deliciosos pecados de outrora.